Os africanos alforriados de Minas Gerais


Devido ao contrabando do Ouro Abundante das Minas Gerais, muitos escravos africanos e seus descendentes conseguiram comprar suas cartas de alforria e no final do século XVIII chegavam a superar a População de Escravizados e certas regiões (na Freguesia de São José eram 52% em 1795, em Vila Rica eram 65% da população em 1799) de 123048 habitantes, na década de 1770, para 177539 cerca de 41 % do total dos moradores da capitania no ano de instalação da Corte no Rio de Janeiro em 1808.

Observou-se nesse período a expansão do "fenômeno confrarial" notável nas Minas Gerais, onde, sobretudo, as irmandades de negros e mulatos seriam "numericamente mais expressivas no Brasil colonial". Entre essas confrarias, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, instituída nas freguesias, tornou-se a mais representativa das eleições devocionais dos cativos e dos libertos, sobretudo aqueles identificados como procedentes da África.  Essa invocação-matriz reuniu ou subordinou outras devoções dos cativos e libertos negros, principalmente os de origem africana, integrando-as à sua administração, como a de São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio de Catalagerona, Santo Antônio do Noto, Santo Elesbão e, no final do século XVIII, Santa Rita.

As irmandades dos homens pretos, ultrapassando como finalidade o caráter devocional, foram significativas no universo da estratificação social, dando dimensão humana ao escravo. 

O inventário da preta forra, Rosa da Silva Torres, foi com testamento, no qual além da citação de seus bens incluíram-se os seus desejos de como seria pomposo o seu funeral.

"Em nome de Deus, verdadeiro, em nome de Sta. Tereza, São Benedito, N. Sra. do Rosário, declaro que sou natural da Costa, casada com Antônio da Costa Barbosa e tenho uma filha menor de nome Tereza. Possuo 8 escravos e 1 mulatinha Natália, 3 moradas de casa todas juntas na Rua do Morro de Santana e 1 casa coberta de telha, chácara com seu bananal e uma casa de vivenda coberta de capim" O marido Antônio da Costa Barbosa, também preto forro, foi seu inventariante. Juntos, eles tinham ‘um serviço de mina de escadas com alguns buracos, no morro de Santana, que houve por compra que dele fez a Damião de Oliveira’

Para o trabalho nos serviços minerais e em uma roça situada na estrada ‘que vai para o morro de Itacolomi’, Rosa da Silva e seu marido contavam com 11 escravos, entre homens e mulheres, sendo 10 em idade produtiva, considerando-se “idade produtiva” a faixa etária entre 12 e 60 anos. A renda do casal era ainda completada com o aluguel de duas casas de morada na Rua de Santana da Vila do Carmo e com o comércio de uma venda.

No inventário, o monte-mor acusou o valor de 3.220$000 (três contos e duzentos e vinte réis. O casal tinha dois filhos, Antônio da Silva Torres de 22 anos e Tereza, crioula, de 12 anos de idade, filha legitima do matrimônio. Moravam nas redondezas da Vila de N. Senhora do Carmo, hoje Mariana, onde se estabelecera depois de comprar sua liberdade por 2 libras e ¼ de ouro.

Os pretos forros eram proprietários de escravos e ter mais de seis escravos já era uma boa fortuna, muito mais que possuir casas, chamando a atenção o fato de que Rosa da Silva Torres e  possuía 11 escravos empregados na lavoura da sua roça e na mineração.

Com relação a negros forros possuírem escravos pode parecer paradoxo, no entanto, se este era o modo de como teriam inserção no mundo livre, a posse de cativos parecia a seus olhos, completamente natural. Era um meio de apagar o estigma da escravidão, de se afastar do mundo do trabalho e de garantir algum tipo de acúmulo de riqueza. Isso só era possível, através da exploração do trabalho dos seus semelhantes, quer fossem escravos de ganho ou trabalhassem diretamente para o senhor. Nesse aspecto, cabe uma ressalva. A sociedade colonial mineira não pode, então, ser definida em termos de brancos opressores e negros oprimidos, mesmo porque, como analisado, os libertos muitas vezes também se tornavam escravistas.

Fonte: Alforriados em uma Freguesia Mineira. Por Douglas Cole Libby/ Prática votiva no Mundo luso-brasileiro (séculos XVIII e XIX).
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